sexta-feira, abril 20, 2012

Uma ecocardiografista na Àfrica: Angola.



Pedi a nossa colaboradora Dra Ana Feijão que contasse como está a ecocardiografia em Angola. O país está em reconstrução após anos de guerra civil.
Abaixo:


Angola...

Eu vim de um país "europeu". Portugal com as suas dificuldades é um país com grandes avanços a nível da saúde. O hospital onde estava era virado para a investigação, trabalhava com topos de gama (Vivid 7 e vivid i na altura) tanto no hospital como na clínica. As patologias características: isquémica, cardiopatias hipertensivas controladíssimas, e as características doenças fibrocalcificantes (que apareciam nas conclusões do relatório como "doença" só por terem regurgitações ligeiras).

Cheguei a Angola e a realidade era completamente diferente!

Comecei por trabalhar num hospital central onde havia uma só sala de ecocardiografia, com um ecocardiógrafo - um Siemens ACUSON CV70 - , sem computador, onde só faziam ecos de manhã das 9 às 11 horas. Chegavam doentes gravíssimos a pé (apanhei um tamponamento cardíaco, uma rotura de SIV e um cor pulmonale, cada um com uma caminhada de horas para chegar ao hospital...) e as patologias mais características eram as miocardiopatias dilatadas e os cor pulmonale por HTP primárias.

Cardiopatias congénitas sempre uma constante, miocardiopatia dilatada peri-parto também... a tuberculose e os VIH positivos são uma realidade por cá com todas as consequências cardíacas que implicam e a hipertensão arterial tem uma incidência muito elevada. As cardiopatias hipertensivas são muito frequentes (uma média de 5 doentes em 15 por dia) e a hipertensão arterial é uma constante. Apanhamos todos os tipos de "corações hipertensos" e em todas as fases: insuficiência cardíaca diastólica, sistólica, hipertensiva dilatada, ... Recebo com muita frequência doentes com tensões arteriais na ordem dos 200/100 mmHg que - dizem - tomar a medicação de acordo com a ordem do médico. Um problema grave de saúde...

Estranhei encontrar poucos valvulares. Muito poucos...

Entretanto, com o desenvolvimento do nosso laboratório, continuamos a trabalhar apenas com uma sala e um aparelho, mas a apresentar uma estatística bem diferente. Começámos a responder mais rapidamente a pedidos externos e foram assim aparecendo patologias de ambulatório como cardiopatias hipertensivas em fases iniciais, algumas patologias valvulares reumáticas e uns exames normais muito de vez em quando.

Os doentes são muitos. De Luanda, da periferia de Luanda e das províncias onde não existem recursos humanos suficientes com certo tipo de formação.

Os recursos materiais são poucos. Luvas, máscaras, rolo de papel de marquesa, rolo de papel de impressora... têm que ser bem aproveitados tendo em conta que muitas vezes o stock termina e ficam contentores presos no porto de Luanda.

Computador nem sempre está presente e muitas vezes temos que fazer o relatório à mão. Porque mesmo fazendo no nosso PC pessoal fica a falta a impressora para imprimir os relatórios.

A área da investigação é pouco desenvolvida. Os estudantes de medicina vão dando os primeiros passos, mas logo que começam a trabalhar percebem que fica difícil dar tempo e atenção a esta área. Há poucos profissionais na área da saúde e os poucos que cá trabalham dão "assistência" a várias clínicas. Por exemplo, no meu caso, trabalho em 5 locais diferentes ao longo da semana.

Claro que toda esta realidade hospitalar nada se relaciona com a realidade de uma clínica ou hospital privado. Sobretudo os mais recentes que estão equipados com equipamentos de última geração e dos mais diversificados luxos.

Cumprimentos

2 comentários:

  1. Espero ter feito um "bom" apanhado da realidade cá. Cumprimentos

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  2. Em Angola realmente a realidade e muito diferente devemos dizer que há ainda muitas dificuldades no campo investigativo da saúde embora haja preocupação por parte de alguns profissionais.
    Mas acreditamos que virão bons tempos

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